![]() A LENDA DA PAPA-FIGO NA NATAL DE ANTIGAMENTE
Uma adaptação do conto de M. C. GARCIA A LENDA DA PAPA-FIGO A VIÚVA MACHADO Texto: Rosa Regis ilustração: Danda Vou recontar pros leitores, De forma cordelizada, A Lenda do Papa-Figo Por um colega, contada. De comum acordo, conto, Do MC Garcia, o Conto Que deixou-me arrepiada. É uma história real Na sua forma de ser, Que aconteceu em Natal, Mesmo em pleno alvorecer Do Século Vinte, e deixou Lembranças fortes. Marcou, Da infância, o nosso ser. É a história de Eulinda Lucina Machado, que Transformou-se numa lenda Quando ainda viva, e Agora tornou-se conto, Mostrada ponto por ponto Pelo poeta MC Mulher com mais de cem anos, De recursos, bem dotada, Aspecto aterrorizante E roupagem ultrapassada, Morava sozinha com A Dona Marileon, Que era a sua empregada. “No seu passado, sofreu Uma grande decepção.” Diz Dona Marileon. E, assim, seu coração Junto com o corpo, afinal, Sofreu uma radical E grande transformação. Marileon era negra E à viúva servia Há sete ou oito décadas! Ao real, não se sabia Quantas. Porém, se acredita Que a empregada da dita A mesma idade teria. Morava Marileon, De quem agora vos falo, Ali, com o seu filho Adud No Povoado do Galo, Bem à margem da estrada De ferro que faz ligada Natal/Macau - sem um valo Adud era um pescador Mui querido e respeitado No Povarejo do Galo. Sua mãe, por outro lado, Nos dias que em casa estava Nunca se comunicava. E trabalhava pesado. Limpava a erva daninha Curvada sobre a enxada, Sob um sol mais que escaldante Na folga que lhe era dada Pela patroa, que era Companheira de uma era E a quem estava ligada. Num acenar taciturno, Ou seja, gesticulando, Como a conversar com Deus E do mundo se afastando, Num “conhece-te a ti mesmo”, Socraticamente, a esmo, Consigo mesmo falando. O Senhor Oivatum, Por ela, foi sabedor Desta verdadeira história Da “Papa-figo”, doutor! A tal viúva Machado Que residia no Estado Do RN, sim Senhor! “Eulinda havia casado Ainda muito novinha! Quando subiu ao altar, Talvez treze anos, tinha. Sua mãe muito chorou! De vez que se separou Da sua única filhinha. Fins do Século Dezenove. E o casamento ocorreu Num clima de festa ímpar! A maior que aconteceu No Brasil naquele ano. Mas lenda, o destino insano, Do fato fez. Distorceu. Durou mais de uma semana A festa do casamento, Sendo convidado, até, O rei para o tal evento. Dom Pedro e Dona Maria Leopoldina, no tal dia, Foi, das atenções, o centro. Uma festa bem sortida De: música, comida, dança. Minha mãe cuidou, com zelo, Da noiva – ainda criança Como eu, que, no momento, Só tinha no pensamento Comida pra minha pança. E a menina Dona Eulinda, Que era muito legal, Deixava bem à vontade A criadagem em geral. E em outras fazendas, tinham Criados que prali vinham Para ajudar, afinal. Terminando a festa, parte O par em lua-de-mel Numa linda carruagem. Pareciam estar no Céu. Porém na volta, a desgraça Os espera. E, agora, a taça De mel passa a ser de fel. A carruagem caiu Num precipício sem fim. Morreu, instantaneamente, O príncipe. E Eulinda, assim, Vendo morto o coração, Entrou naquele porão Fazendo dele o seu fim.” - E quando mamãe morreu Deixou-me, pois, como herança, Cuidar da pequena Eulinda, Para ela, uma criança! E aí, o povo, malvado Que é, “Viúva Machado” A chama. E maldade lança. - É uma história absurda Que até hoje não entendo! E desta história, então, Vejam o que estou dizendo, É que surgiu o boato Da “papa-figo”, de fato, Como verdade crescendo. Nas noites de lua cheia A meninada arranjava Vários modos de brincar E pela noite adentrava, Brincando de modo vário: De “assobia-meu-canário...” E do que se apresentava. Brincavam de “esconde-esconde”, De “bandeirinha”, de “tica”... E de muitas outras coisas! Mas o que na mente fica São histórias “encantadas” Que, de “Trancoso” chamadas, Como um ensino, se aplica. Estórias que Mãe Amélia, Sentada à porta, contava. No batente, à meninada Que, dispersa, se juntava No terreiro, na calçada, Numa noite enluarada. E a turma se arrepiava. A estória da Moura Torta; A da madrasta malvada Que deixa a princesa, viva, No capinzal enterrada; A do Batatão-de-Fogo; A do Lobisomem – um jogo De estória mal-assobrada. Porém, a mais esperada Das estórias, afinal, Era a da “papa-figo”, Aquela aqui de Natal. A da Viúva Machado. Que deixava arrepiado O mais valente mortal. Era a estória de uma velha Que morava num porão. E, pra toda a meninada, Era um ser sem coração! Pois que mandava pegar Criancinhas pra matar, Sem dó e sem compaixão. Matava para tirar O fígado pra comer. E a criançada ouvindo Aquilo, põe-se a tremer. E não há calor que aqueça O frio dos pés à cabeça Que os faz estremecer. Tudo isso, por saber Que a Dona Marileon Morava ali bem pertinho. Pois que ela tem o dom De lembrar-lhes a figura Da assombrosa criatura. O que não é nada bom! E só porque a coitada Da Marileon serviu À velha durante anos, Isso, então, lhe garantiu A fama de possuir Algo estranho. Sem pedir, Ouvi de alguém que a viu. E “estória de Trancoso” Já não mais nos parecia, Mas fatos. Que Mãe Amélia, Como estórias, nos dizia. Pois é que aquela empregada, Toda semana, a danada, Uma viagem fazia. Viagem misteriosa Para alguém daquela idade, Com um saco, às costas, sozinha. Um enigma de verdade. Um homem a viu, certo dia, Na Cidade, e ela ia Andando em velocidade. Seguindo-a, o homem a viu Entrando no casarão Onde a vivia a Viúva Machado, lá no porão. E então ele se inquiriu: Será que o saco que viu Era de fígado? Ou não?! A Estória da Viúva, Para toda a meninada, Era a mais real de todas Por Mãe Amélia contada, Devido à proximidade Que havia, na verdade, Com a sua velha empregada. A velha era taciturna. Nada dizia ou falava. Mas a taciturnidade Dela é que incomodava. O silêncio mumificado Do seu viver isolado, Às crianças, assustava. E ao passar pela linha, Vendo-a, ao terreiro limpando Com uma enxada, corcunda, Quase no chão se fincando, Olham-se, desconfiados, E dizem, arrepiados: “Ela está se disfarçando!” “Está querendo pegar Um da gente. Pode crer! Um besta para levar Para a viúva comer O figo! É o que ela faz. E assim sendo, nunca mais A nossa mãe vai nos ver”. E quando a pobre coitada Da velha a vista elevava, Sendo o Seu Oivatum O único a quem dedicava Um pouco da sua fala, Pouco diz. Quando não cala! Um dia, dá-lhe uma trava. E nesse dia, Oivatum, Que é o pai de Ossiab, Acreditando-se amigo, Quis saber a sua idade. E ela, assim de momento: - Mas ora que cabimento!... Deixou-o só na vontade. Não gostando da pergunta: - Me respeite, seu minino!... - Sabe sua escanchavó?... Sou mais velha! Tenha tino! - Não lhe dei intimidade Pra perguntar minha idade. - Ora, mas que desatino! Seu Oivatum percebeu Que a estava incomodando. Aí não fez mais perguntas, Mas prosseguiu conversando. Porém quando ela cismava, Simplesmente o dispensava! Pra sua casa o mandando. Mesmo assim, davam-se bem! E voltavam a conversar Vez por outra, quando a velha Dispunha-se a aceitar. E a conversa deu margem Para abrir uma passagem Para o Ossiab entrar. Agora o medo se fora! Pois, Ossiab, tremendo De início, a um pedido Do Seu Adud atendendo, Levou água pra mãe dele. E a surpresa que ele Teve, só mesmo se vendo. Pois quando ela o viu, magrinho, Com aquele peso às costas, Uma compaixão medonha Pelo menino deu mostras. E o medo aterrorizante Foi sumindo a cada instante. Nem sente o galão às costas. Ainda meio assombrado Pela forma que ela tinha, Ele se achava. Porém, De repente, a luz que vinha De fora, lhe apaziguou. Pois o Seu Adud entrou E foi direto à cozinha. E a velha, satisfeita, Pelo serviço prestado, Enfiou a mão no bolso Do seu vestido rendado, Deu uma prata ao menino Que, aí, recobrou o tino Do qual se havia afastado. Este, mal acreditando Em tudo aquilo que via, Sentindo-se o mais feliz Dos meninos, nesse dia. Sai, prometendo voltar Sempre que ela precisar, Irradiando alegria. Recebera o pagamento À vista! E ele vibrou Com isso. E Marileon À viúva o apresentou. E ele tornou-se amigo Das duas. E eu lhes digo: Bons presentinhos ganhou! Fim. Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 20/07/2010
Alterado em 09/01/2018
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