![]() O TATU FILOSOFANTE
Conto de Rosângela Trajano cordelizado por Rosa Regis Era uma vez um tatu Que resolveu se mudar: Mudou de casa, de nome, De emprego, de lugar, De cor, de raça, de roupa... Deixando até de sonhar. Até mesmo dos problemas Conseguiu se desfazer Juntou tudo, pôs no lixo E fez desaparecer. Pois a sua intenção era Tornar-se um novo ser. E lá se foi o tatu Sem endereço, sem nome, Sem cor, sem raça, sem sonhos, Sem roupa, sem sentir fome, Sem problemas, pois, agora, A euforia o consome. De início tudo vai bem! Mas logo complicações No seu viver vão surgir, Pois que as informações De como viver jogara Fora, sem contemplações. E o coitado do tatu Que não sabia contar, Tudo que economizara Ele passou a gastar De maneira desastrada Sem os gastos controlar. Um dia, na padaria, Ele pagou um milhão Tão somente pra comprar Um mísero pequeno pão Pois já, de preço, não tinha Sequer a mínima noção. Já não sabia seu nome Porque, no lixo, o jogara. Assim sendo, no lugar Do seu nome, ele assinara Eu não sei meu nome, não. E disso se envergonhara. Não sabia o que fazer Porque havia esquecido Sua própria profissão, Vendo-se, assim, falido. Seu dinheiro evaporou-se. Quando viu, tinha sumido. É que o tatu não sabendo Contar dinheiro gastava, Sem noção de quantidade Quando algo ele comprava. E, quando viu, já ficara Sem nenhum. Falido estava. Não sabia aonde ir Pois já não tinha endereço. O tatu jogara fora E estava pagando o preço. Ficou vagando nas ruas Pensando: Isso, eu mereço! Perdido no meio do tempo Sem parente, sem amigo, Via-se, pois, desprezado. E imaginava: É castigo! Como poderei viver Sem comida, roupa, abrigo? E agora, já sem cor, Passava despercebido. Sem raça, já não sabia, Mesmo, onde havia nascido, Quem era e de onde vinha. De tudo havia esquecido. Nu, andava envergonhado, Pelas ruas da cidade Que, de si, não dava conta, Porque ele, na verdade, Sem cor, estava invisível. Esta era a realidade. Disso tudo o que de bom O nosso tatu tirou Foi esquecer os problemas Que sempre o preocupou. Mas com o tempo descobriu Que um problema isso virou. Não ter nada em que pensar Como preocupação Passou a ser, pro tatu, Verdadeiro problemão: Começa a criar problemas Gerados pela tensão. Quer retomar o que dantes Perdeu, ou fora jogou: Como fazer uma casa Tal qual a que ele morou; Comprar roupas pra vestir Como dantes já comprou. Aprender a assinar O seu nome e a contar O dinheiro que, suado, Ganharia a trabalhar E descobrir de onde veio: Sua família encontrar. Ele há muito não dormia Pois não queria sonhar. Mas descobre que, sem sonhos, Sua vida passa a ficar Sem qualquer graça ou sentido, Sem nada a que se apegar. Era um sujeito sem casa, Sem nome, sem cobertor, Sem problemas, sem saber, Sem carinho, sem amor, Sem sonhos. Pra que viver? E isso o enche de dor. Porém um dia o tatu Dorme e sonha, afinal, Que é tatu, que tem cor E chama-se Janibal, Mora à beira dum regato Perto dum canavial. Numa casinha amarela Morava o nosso tatu, Trajava camisa, calça E botas de couro cru. Não andava, pois, descalço, Nem também andava nu. Era o tatu, sapateiro! Problemas? Aos montões! Aquele, não era ele! Pensa lá com seus botões. Era um outro tatu Onde vê contradições. Quando o tatu acordou Tudo ele pode entender: Podia viver sem tudo, Só não podia viver Sem seus sonhos. Pois sem sonhos O próprio Ser não é Ser. E foi a partir daí Que o tatu recomeçou Sua verdadeira vida Pois ele reencontrou, Sonhando, a realidade, Que ele, um dia, em verdade, Da mesma se desviou. Natal/RN, 24 de julho de 2008 Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 29/03/2011
Alterado em 03/08/2014
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