O DISTINO DE JUSÉ FIO DE DONA SINHÁ
(inselença)
Meu povo, me dê licença
Prumode a rede passá!
Nói vamo interrá Jusé
Qui já cumeça a cherá!
Morreu de morte matada:
Pra mai de doze facada.
Lhe mataro pra robá.
...
Assim cumeça a históra,
Contada de trái pra diante:
Uma históra sem gulóra
Dum matuto arritirante
Qui partiu da sua terra,
Do sertão no pé da serra,
Puresse mundão avante.
É a históra de Jusé
Fio de dona Sinhá,
Qui deixô a sua terra
Poi já num tinha o qui dá.
Prumode a sêca, doutô!
E pra capitá se mandô,
Buscano in que trabaiá.
Um dia, de manhãzinha,
Se alevantô distimido,
Dizeno a muié: - Chiquinha,
Já tô mermo arrizuvido!
Tu arrebanha os minino
Qui agora o nosso distino
É o qui Deus fô siivido.
- Tem um povo arrebanhando
Gente pra ir trabaiá.
Mai só leva sem muié!
E eu num quero ti dexâ.
Pra donde eu fô tu vai!
Os minino vão atrai.
Deus hai di nos ajudá.
A muié, obidiente
Qui era, já cumeçô
A arrumá os mulambo
Cuma o marido mandô:
Roupa veia arremendada,
Carça cum perna rasgada,
Pedaço de cubertô.
Arrebanhô os minino
Qui táva tudo ispaiado:
Maigarida, Sivirino,
Zabé, Antonha, Conrado.
E mais argum que agora
No momento, nessa hora,
Eu num mermo alembrado.
Zé, cum a inxada no ombro,
Onde vai dipindurado
Um cabacinho cum água
E um matulão de lado
Cum farinha de mandioca,
Beiju seco, tapioca,
E um caiquinho assado.
U’a peixêra de doze
Pulegada na cintura;
U’a ispingarda de soca
Nas costa, c’uma atadura.
Já ta pronto pra partí,
Pro seu distino siguí!
Oh... infili criatura!!
A muié trai u’a trôxa
Cheia de pindurucaio:
Lamparina a querosene;
Pente sem dente; chucaio;
U’a istêra suja e veia,
Culé de pau, u’a greia,
E um pau c’um papagaio.
Um papêro sem o cabo
Prumode fazê café.
Gaifo?!... Nunca uviu falá!
Leva três, quato cuié.
Os péi pisano de lado.
Discarça. Os dedo inchado,
Cheios de bicho-de-pé.
Num arrecrama de nada!
Pois véve cuma Deus qué!
E, obidiente ao marido,
Fai sempre o q’ele dixé:
Ele é quem manda! É o rei!
A sua palavra é lei!
O q’ele qué é o qui é.
A mininada tomém
Num recrama, num dir nada!
Sisuda, vai caminhando,
Pés discarço, na istrada.
O Só a pino, torrando...
A areia os péi queimando.
Ô situação danada!
Alembra a cabra Cicia,
Que tanto leite duô
A todos ele, e qui a sêca
Marvada, pra si tumô:
Foi sumino... foi sumino...
Se isvaino... se isvaino...
Inté qui um dia tombô.
C’uns tá pensamento triste,
Vão chegano ao povoado
Adonde vão imbaicá,
Num õimbu veio, fretado.
Vão tentá vida in Sum Pálo!
E Jusé sente um intálo
Cuma se tano ingasgado.
As suas inculumia,
Qui já roubô das barriga
Dos fio, já se foi toda...
Pensa. E o Só, qui castiga
Seu quengo, inquanto caminha,
Lhe provoca u’a murrinha,
Um má istá... ô fadiga.
Discansa um pedacim
Cum Sinhá Chica ao seu lado.
Um gole de água morna
E já ta recuperado.
Têm qui chegá no lugá
Ante do õimbu zaipá,
Ou pa trai vão sê deixado.
Chegam no lugá na hora!
O õimbu já vai partí.
Nem dá tempo de pensá
Se deve ô num deve í.
E o chofé, mei maroto,
- O õimbu ta num pé e n’outo!
- Quem vai, entre! Ou fica aqui.
Dez dia saculejano!
Os osso tudo muído.
O istambo arrivirado
Pelo pôco arricibido.
Nos onze, cantano o galo,
A frota chega a Sum Pálo
Sem distino garantido.
Um mundão discunhicido
Sispáia na sua frente!
Zé tenta istirá as perna
Qui tão ficano drumente.
O motorista, infezado,
Recrama, já arterado,
Cum palavras indecente.
Arreia as pôca bagage
Dos pobe ali na carçada.
Acelera e vai simbora,
Sem ligá à pobraiada
Que ficô “ao deus dará”,
Sem tê pradonde apelá.
Êta vida desgraçada!
Vão s’iscorano nos canto,
Pois o cansaço é dimai,
Vorteano a rodoviára:
Uns na frente, ôtos atrai.
Sem banho, sem alimento:
Com fome, frio, fedorento,
O sono é Cum’um dirmai.
E, ainda de madrugada,
São, pela guarda, acordado
Dibáxo de gritaria,
De sujo palavriado:
- Alevanta! Arriba! Arriba!
- Disinfeta Paraíba!
- Bando de irmulambado!
Jusé ajunta a famia,
Sai dali discunfiado:
Veno as coisa deferente
Daq’ele tinha pensado.
Vão andano nas carçada...
Ninguém inda cumeu nada!
E o istambo manda o recado.
Incosta num viaduto,
Onde incronta ôta famia
De nordestino, qui ali
Tá. E já fai muitos dia,...
Muitos mês... muitos ano...
Poi já num tão mais contano,
Qui véve nessa agunia.
Zé, mei cabrêro, pregunta:
- Amigo, posso abancá
Cum minha famia aqui?
- Se Vossa Mecê dexá,
Nói fica agradicido!
Pois tamo disprivinido
E sem te donde morá.
Vão ficano... e sem trabáio,
Cumeçam a irmolá.
As fia se prostitui.
Os fio cumeça a robá.
O tempo vai se passano...
E os seus sonho, seus prano,
Já cumeça a disboatá..
A sua terra quirida
Já vai se disvaneceno
Da sua mente firida.
Pruque, agora viveno
A miséria e o disamô
Da Capitá, Seu Dotô!
Do amô vai sisqueceno.
...
E... um dia... manquitolando...
Vem Zé de dona Sinhá,
Agora Zé de Chiquinha,
Banzando... assim... a pensá...
Tristonho por não ter tido,
Nesse dia, garantido
Nem o quinhão do jantá.
Cabeça báxa... rismunga...
Recramando sua sorte,
A disgraça da famia
E a sodade do Norte...
De repente!... à sua frente...
U’a faca reluzente!
É o anunço da morte.
- Passa a grana paraíba!
Hoje tu num vai cumê!
Nem tu nem tua muié!
Tu sabe mermo pru quê?
Pruque eu vô te matá,
E a tua grana levá!
- Num adianta corrê!
...
(cantando)
Morreu o Zé de Chiquinha!
Ninguém sabe quem matô.
Argúem diz qui foi um fio
Dele mermo, qui indoidô.
E ôtos dize: - Foi ladrão!
Só se sabe qui o Sertão,
Cum tristeza, meu patrão,
A sua morte chorô.
OBS: Qualquer semelhança com pessoas
e situações aqui descritas, é mera
coincidência.
Rosa Regis
Natal/RN – 20 e 21/04/2007.
Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 19/06/2007
Alterado em 24/06/2020