—A LENDA DO BATATÃO DE FOGO
{este cordel está contido na Coletânea (de vários autores)
BRASIL, ENTRE CORDÉIS E LENDAS, organizada
por Ulisses Ângelo - Central do Cordel}
Estou aqui a convite
De alguém muito especial
Para fazer um cordel
Cujo tema principal:
Uma lenda conhecida
Que quando por alguém lida
Reconheça-a como tal.
A lenda aqui escolhida
É lenda de assombração
Do Rio Grande do Norte
Com o nome de Batatão.
Em Canguaretama viva,
Porém não sendo exclusiva
Só daquela região.
O Brasil todo a conhece!
Do Norte ao Sul, Leste a Oeste
Com variação no nome
Porém, de forma inconteste,
O formato transmitido
Por alguém que diz ter tido
A visão, verdade veste.
Noutros lugares, porém,
Ele é, também, nomeado
De Batatão, Bitatá;
De Fogo fátuo, o Encantado,
E de Fogo corredor,
Um fogo amedrontador
Que segue o desavisado.
Também Fogo da Comadre,
Ou do Compadre, ele é dito!
Tratando-se de uma bola
De fogo, um fogo maldito
Que vaga durante a noite
Com o vento lhe dando açoute,
Como se seguisse um rito.
Assim, mais que de repente,
Sem mais nem menos surgindo
Para alguém que não espera,
Ele já vai perseguindo,
Quer seja homem ou mulher
Ou venha de onde vier,
De terror a alma cobrindo.
O Batatão aparece
Em lugares alagados,
Nas matas, nos manguezais...
Sempre em terrenos molhados.
Que o vê pode ficar
Abobado e até parar
Em casas de alucinados.
Muitas pessoas afirmam
Que o fenômeno é somente
Alguma alma condenada
Com sua dívida pendente.
Seriam "alminhas" penando,
Os seus pecados "pagando"
Mesmo inconscientemente.
Ao se apresentar girando,
Jogando chispas no ar,,
Visto em dobro, se mostrando
Como querendo afirmar
O seu poder de atração
Com a bela demonstração
Que a todos faz encantar.
É de "Fogo da comadre"
Neste momento chamado,
Ou de "Fogo do compadre"
Como acima foi falado.
Na cor rubra e esmeralda,
Faz a vista encandeada
Com o seu brilho extremado.
A palavra Batatão,
Muitas vezes confundida
Com uma batata grande,
Já será esclarecida:
O Batatão é, aqui,
Nome de origem tupi,
De expressão mal conhecida.
A expressão mbaê-tata,
Que, em tupi, quer dizer
Coisa de fogo, ou, ainda
Mboa-tata, a fazer,
No seu significado,
Cobra de fogo é um dado
Para o seu nome entender.
Padre José de Anchieta
Lá no século dezesseis
Descreveu esse fenômeno
Que eu passo para vocês,
Como sendo assombração
Tendo em sua formação
Luz ou fogo. E assim fez.
Do Mbaê-tatá diz
Que era algo que assombrava
Formando um facho de luz
E sempre se apresentava
Juntos aos rios e ao mar
Com o poder de assustar
Até a tribo mais brava.
Entre indígenas as lendas
São contadas com prazer,
Em sentido verdadeiro
Pro índio novo entender
As coisas da Natureza
Usando a sua esperteza
Pra do mal se defender.
Dentre as lendas, a de um monstro
Que conseguiu, enterrado,
Sobreviver a um dilúvio
Há muito tempo passado,
Ficando embaixo da terra
Como se em tempo de guerra.
Tendo, portanto, escapado.
O seu nome é Boitatá!
E mora na profundeza
Dos rios, acostumando-se
A enxergar com clareza.
As pupilas dilataram,
Os olhos acompanharam
Por força da Natureza.
Se durante todo dia
Ele não vê quase nada,
Ou melhor: é quase cego!
Logo que a noite é chegada,
Ele sai pra procurar
Coisas pra se alimentar,
Restos de carne estragada..
Há quem diga que prefere
Os olhos dos animais
Ou que são os preferidos
Entre todos os demais
Restos em putrefação.
Pra sua alimentação.
Já ouvi de alguns canais.
Mas nem sempre o Batatão
É visto como do mal!
Há também quem acredite
Ser algo de especial,
Visto como um protetor
Das matas. Um defensor
Contra o incêndio imoral.
As culturas mais diversas
De diferentes países
Criaram mitos e lendas
Com variados matizes
Para dar explicação
Do fenômeno. Porém não
Foram lá muito felizes.
Na França, Na Alemanha,
Portugal e Inglaterra,
Onde recebe outros nomes,
Com certo carinho, encerra:
Lanterna, Alminha e Farol
Que acrescentamos ao rol
Dos daqui da nossa terra.
Mas essa coisa assombrosa
Poderá ser explicada?
Uns dizem que sim! Porém
Não conseguem provar nada!
Para quem nunca estudou
Sobre este assunto, ficou
"Boiando" , a cara abobada.
Diz que: um tal de gás metano
Que o manguezal já produz,
Pressão e temperatura,
Transformar-se-ão na luz
Ao vir a se misturar
Com o H2O do ar
E o tal fenômeno produz.
Conforme a concentração
O metano poderá
Inflamar-se por si mesmo.
E isto, em si, causará
A combustão natural
Que do sobrenatural
O fenômeno excluirá.
Explica até sobre a chama
Sair em perseguição
Da pessoa que correr
Temendo a assombração.
O que poderá se dar
É que a corrente de ar
Faz completar a ação.
Explica ainda o ruído
Que deixa impressionado
Quem estiver por ali
Pois seria provocado
Pela chama produzida
Que sai de forma contida
Com um zuor descompassado.
Porém nosso povo simples
Não carece explicação,
Entendem da sua forma
O fenômeno Batatão,
Que é sobrenatural,
Extraterrestre e do mal!
Sem nenhuma apelação.
Às vezes é confundido
Com um disco voador
Que vem para carregar
O sujeito pecador.
Esse pensar faz tremer
De medo e desfalecer
Ao fraco e ao lutador!
Ao ver a coisa voando,
Soltando chispas no ar,
O homem simples do campo
Sem parar para pensar,
Já sai depressa, correndo,
Por sua vida temendo,
Sem nem para trás olhar.
Eu não quero sem saber
Se essa coisa é lenda ou não!
Eu não quero é me encontrar
Com esse tal de Batatão,
Pois sei que se acontecer
Comigo, eu vou é correr
Sem qualquer apelação.
E se alguém se encontrar
Com um troço deste um dia,
Nem pense nada, só corra,
Rezando a Ave-Maria!
Pois o Batatão de Fogo
Não é bicho bom de jogo.
Só de pensar, me arrepia.
Rosa Regis
Natal/RN - 2021