A LENDA DO HAJA-PAU
{este cordel está contido na Coletânea (de vários autores)
BRASIL, ENTRE CORDÉIS E LENDAS, organizada
por Ulisses Ângelo - Central do Cordel}
Quando ainda pequenina
A minha mãe me contou
A história de um menino
Que o destino condenou
Eternamente, devido
A um mal que praticou.
Dizia: - Deus fez o mundo
Com todos os animais,
Com árvores, rios e mares,
Céu e terra, e tudo o mais!
Fez o homem e a mulher
Pra dominar os demais.
Homem e mulher têm filhos,
Estes têm que obedecer
Ao comando dos seus pais
Até que cheguem a crescer,
Formarem nova família
E desta o comando ter.
Em todo e qualquer momento
O pai é o principal!
A mãe vem logo em seguida.
Vindo, depois do casal,
O mais velho dos irmãos
Tendo dos pais o aval.
Sendo assim a tradição
Para o rico e para o pobre;
Para o agricultor do sítio
E para a família nobre
Que falte comida à mesa,
Que nesta a comida sobre.
E para nos dar exemplo
Nos contava: - Era uma vez
Um casal de agricultores
Que amava o que o Bom Deus fez
Com respeito e obediência
Mesmo durante a escassez.
Durante toda a semana
O agricultor levantava
Logo cedo, todo dia,
Sua enxada preparava
Pra mais um dia de luta
E à roça se encaminhava.
A sua esposa ficava
Em casa pra preparar
O almoço para a família,
Tendo também que mandar
Para o esposo à hora certa,
Não devendo se atrasar.
Sendo o filho do casal,
Único filho, quem ia
Deixar o almoço do pai
Sem falhas, a cada dia,
Mas ele de má vontade
A tal tarefa fazia.
Sua mãe já lhe avisava:
- Você não pode comer
Antes que seu pai se sirva!
Porque no seu entender,
Que era o costume da época,
Seria um mal proceder.
O menino preguiçoso
Que era já se atrasava
A caminho do roçado,
Onde seu pai esperava
Já passando mal de fome.
Assim, sempre reclamava.
O menino punha a culpa
Na mãe pelo seu atraso
Para livrar-se de boa!
Sem pensar no pouco caso
Que ele fazia da mesma.
E, ao seu carinho, descaso.
Naquele dia, o menino,
Sua mãe desrespeitando,
À sua proibição
Sequer um pouco ligando,
Comeu tudo que levava
Somente os ossos deixando.
Depois de bem satisfeito,
Na vasilha organizou
Os ossos e algumas sobras
Que não quis mais, e amarrou
Com o pano como a mãe fez,
E para a roça rumou.
Ao sentar-se pra comer
O pai logo percebeu
Que ali só havia sobras!
Pergunta: - O que aconteceu?
Onde está minha comida?
Ao que o filho respondeu:
- Eu não sei de nada, não!
Só trouxe o que mãe mandou
Disse, sorrindo de lado
Vendo que o pai se zangou.
Já correu logo pra casa,
Da sua zanga escapou.
O pai, possesso de raiva,
Jogou o resto no chão,
Largou a enxada do lado,
Foi tirar satisfação
Com a esposa que, inocente
Estava da má ação.
O agricultor já chegou
Sua mulher atacando
Sem nem lhe dizer por que
A mesma estava apanhando.
E o filho mau, escondido,
Da sua mãe debochando.
Ria da mãe que apanhava
Sem poder se defender,
Sem nenhuma compaixão,
Esse desgraçado ser
Que não tinha piedade
Ao ver sua mãe sofrer.
Inda por cima, gritando
Com se estivesse louco:
- haja, haja, haja pau!
Mostrando que achava pouco.
A mãe, ao ouvir aquilo,
Sem forças, com um falar rouco,
Impotente, praguejou
Contra o filho a Deus pediu
Para ele ser castigado.
Àquela mãe Deus ouviu!
O filho foi transformado
Num pássaro preto, e sumiu.
De lá pra cá, vez em quando,
Dizem: se ouvir um cantar
Triste desse pássaro preto
Parecendo lamentar:
Haja, haja, haja pau!
A tristeza a espalhar.
Existem outras versões
Da história do Haja-pau:
Numa delas a mãe morre
Por culpa do filho mau
Pelas mãos do próprio pai
Que era bruto em alto grau.
Há uma versão que diz
Que o pássaro preto é formado
Com as pernas do ser humana,
Outros: um pássaro encantado.
Onde só o canto se ouve
Repetido e angustiado.
Mas afinal Haja-Pau,
Uma lenda de intenção,
Vinha mostrar às crianças
Em forma de educação,
Que tinham que obedecer
Aos pais, lhes ter atenção.
Mostrar, de forma indireta,
Que quem desobedecia
Aos seus pais e aos mais velhos
Algo de mal lhe ocorria.
Isso ajudava a manter
As relações de hierarquia.
Sendo o papel pedagógico
Da narrativa bem forte
Dando aos próprios professores
Com seus alunos, suporte
Para a educação da época
Em condução, num aporte.
Sendo as regras sociais
Às crianças transmitida
De forma a fazer-lhe medo
De transgressão das medidas
Impostas pelos mais velhos
Que, assim, são obedecidas.
E o sobrenatural
Era sempre utilizado
Para falar de castigos,
Deixando como recado
Que quem escapasse às regras
Devia ser castigado.
Hoje o mundo é diferente
Ninguém teme "o invisível"!
A garotada ama mesmo
Filmes de terror. Incrível!
Onde a histórias do além
Faz-se presente, visível.
O Haja-Pau já não é
Castigo para o pecado
De não respeitar idosos!
Já está ultrapassado.
Para as crianças de hoje
Eu mando aqui meu recado:
Se não pela hierarquia
Mas, por cada um, eu digo:
Pense um pouco no futuro!
Porque pode haver "castigo"
No sentido figurado,
Ao precisar, meu amigo!
Você que é jovem, também,
Tem desejo de viver
Muito tempo! E eu pergunto:
Chegando a envelhecer,
Ao necessitar de ajuda
Será que você vai ter?
Então pense mais um pouco,
Ajude sempre e respeite!
Não seja agente do mal,
Os bons conselhos, aceite.
Não faça como o Haja-Pau!
E com o amor se deleite.
Rosa Regis
Natal/RN - 2021