A LENDA DO HOMEM-SEM-CABEÇA
ou
A MANGUEIRA DO OITO
(do Livro de Contos e Lendas de Emecê Garcia)
Aqui vai mais uma lenda
Contada por Emecê
No seu Livro POVAREJO
Que reescrevo pra você
Rimando e metrificando
Num ab; cb; db.
Pois o farei em sextilha,
Mudando só um pouquinho
A forma de recontar
A lenda, mas, com carinho.
Pois o Garcia merece
Que eu o faça direitinho.
...
Trata-se de uma lenda
De ambição e de terror!
Onde dois velhos amigos,
Pelo ouro sedutor,
Esquecem a amizade
Ou o verdadeiro amor.
Mas vamos ao que interessa
Nesta história de ambição:
Conta-se que existia
Numa enorme mangueirão
Dita “mangueira do oito”,
Uma velha assombração.
Uma botija assombrada
Que alguém havia enterrado
Quando ainda estava vivo
E agora necessitado
Da salvação vem doar
A quem for desassombrado.
E dois homens corajosos
Que um do outro diz-se amigo,
Dizem: - Custe o que custar!
Qualquer que seja o perigo
Nós iremos arrancá-la!
Mas ouçam só o que eu digo:
Havia uma condição
Para a mina se arrancar:
Tinha que ser num tal dia,
Sexta-feira treze e estar,
Se possível, à meia noite,
A lua cheia no ar.
Já que estavam decididos
Esperam a hora e dia,
A lua cheia também.
E aí, com maestria,
Tudo que era necessário,
Pronto na hora estaria:
Pás, picaretas, enxadas...
E mapas não precisavam!
A lua, ao centro do céu,
O ponto X lhes mostravam
A tal “mangueira do oito”
Com que todos se assustavam.
Os pontos estavam dados!
Só precisava coragem!
E isso aos dois não faltava.
Sendo assim, seguem viagem
Os dois amigos mostrando
Que têm camaradagem.
Porém a facilidade
Com a qual se apresentava
Era o que assustava o povo
O qual jamais se arriscava
A retirar a botija
Que, de graça, a alma dava.
Mas os homens quando viram
O lugar onde estaria
Enterrado o tal tesouro,
Sorriram com alegria
Pensando a facilidade
Com que tudo se daria.
Começaram trabalhar
Com a lua clareando.
Quando um deles se cansava
O outro ia revezando.
Assim seguem até que
O baú findam encontrando.
Pulam e riem de alegria
Um com o outro abraçado,
Gritando: - Estamos ricos!
Em um cantar entoado.
Sem pensarem que o momento
De rir não havia chegado.
O que ainda vem pela frente
Eles não sabem medir!
Pois, quando tiram a areia
Que cobre o baú, de rir
Param imediatamente
Com a figura a surgir.
Duas serpentes em cruz!
E na cruz uma caveira
Com duas armas em X,
Logo abaixo. De bobeira,
Ficam ao saber que a etapa
Vencida, foi a primeira.
“Parabéns! Já conseguiram
A esta etapa vencer.
Mas, para chegar à outra,
Alguém terá que morrer”!
E os dois se entreolham
Como quem queira dizer:
“É você que morrerá!
Eu não!” E, já preparados
Com a pá e a picareta,
Decidem abrirem, calados
E com cautela, o baú,
Cada um em um dos lados.
Aquele da picareta
Decidiu por destruir
O velho e enferrujado
Cadeado. E a seguir
O da pá ergueu a tampa
Com rapidez no agir.
Os dois agem a um só tempo
Na rapidez que, a olho nu,
Não dava para dizer
Qual dos dois que, no baú,
Pegou a arma primeiro.
Leitor, eu digo pra tu:
- Eram duas armas velhas
De fogo, que dispararam,
Ao mesmo tempo matando
As serpentes, que agarraram
A perna de cada um deles!
Delas, eles se livraram.
Agora restava apenas
Uma bala em cada arma,
E um duelo mortal
Se apresenta como carma.
Em questão de alguns segundos
Quem fica, ao outro desarma.
Com a claridade da lua
Nenhum se atreve a atirar.
Um esperando que o outro
Venha seus olhos piscar.
Um vacilo... um descuido...
Para, pelo ouro, matar.
Foi só a lua sumir
Para não testemunhar
Que a decisão do duelo
Veio a se concretizar,
Quando ela surge, um dos jovens
Já não mais vai levantar.
A bala, no coração
De um dos jovens, tirou
Sua chance de “enricar”.
O “ouro”, ao outro ficou.
- A riqueza é só minha!
Grita: - Eu sou rico! Eu sou!
Desce o barranco e começa
O trabalho. Agora sozinho!
Retira o baú e vê
Que há outro, menorzinho,
Por debaixo do primeiro,
E puxa-o devagarinho.
E, na tampa do baú,
Descobriu outra caveira.
Fica um pouco assustado
Mas, disse: - Isso é besteira!
A ânsia pela riqueza
O faz quebrar a barreira.
Tentando abrir o baú
Ele quebra o cadeado.
E o brilho vindo dali
Põe seu olhar ofuscado
Cegando-o por instantes
O deixando atordoado.
E o brilho da luz da lua
Ajuda a irradiar
O brilho que vem das pedras
Ao mortal iluminar.
E este os últimos minutos
Vive, sem desconfiar.
Pois, com as costas viradas,
Distraído com a beleza
Do tesouro à sua frente,
Não pressentiu a frieza
Da morte que se aproxima
Saída da Natureza.
Do oco escuro do tronco
Daquela mangueira, sai,
Com uma foice afiada
Uma caveira que vai,
Num tiiist, tirar-lhe o coco
Que, decepado, ali cai.
E o homem, sem cabeça,
Como um louco, um tresloucado,
Sai rua afora gritando
E correndo pra todo lado,
Num grito engasgado, horrível!
- Estou rico! Rico! Rico!!
Morreu sem saber. Coitado!
Rosa Regis
Salvador – BA, 15/01/2008
17h25min
Revisto em 10/08/2023 – 00h57min.